Por que as resoluções vetadas pelo CONAMA comprometem a vida de cada um de nós

Luan Borges*

Segundo o artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Diante da lei, surgem algumas questões: como garantir esses direitos quando o Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), perde representação da sociedade civil, sendo formado, basicamente, por representantes de indústria e negócios e de um governo pouco sensível à causa ambiental?  O que será destruído se as resoluções vetadas pelo CONAMA forem acatadas judicialmente? Para responder essas questões, conversamos com os pesquisadores e ambientalistas Mariano Eduardo Neto e Virgílio Machado do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Inter e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução (INCT IN-TREE),  e escrevemos este texto buscando desenhar um percurso didático, que nos relembre a gravidade da situação.

Voltando um pouco no tempo, destacamos que, no último dia 28 de setembro, o Conama derrubou as resoluções de números 264, 284, 302 e 303, as quais protegem o ar, os lençóis freáticos, restingas e manguezais. A medida gerou muitas manifestações populares nas redes sociais e também por parte dos integrantes da bancada ambientalista, pois é considerada irregular e perigosa ao meio ambiente e às pessoas. Um mês após os vetos, a vice-presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, barrou a decisão do Conama e o Poder Judiciário marcará audiência para analisar se o veto dessas resoluções é regular ou é contrário à proposta do órgão ambientalista.

Os vetos do Conama prejudicam os ecossistemas e, posteriormente, afetará as populações (Foto: Marcelo Delfino)
Os vetos do Conama prejudicam os ecossistemas e, posteriormente, afetarão as populações (Foto: Marcelo Delfino)

Segundo os ambientalistas e pesquisadores, Mariano Eduardo Neto e Virgílio Machado, ouvidos pela Agenda Cultura e Arte, o assunto é muito grave e requer um olhar cuidado e o conhecimento da população sobre os possíveis danos futuros. Vamos compreender o que prevê cada resolução vetada pelo Conama.

Escute o bate-papo completo com os pesquisadores Mariano Eduardo Neto e Virgílio Machado no  episódio 5 do podcast In-tree, o qual aborda os impactos causados ao meio ambiente e às populações por conta dos vetos às resoluções nº 264, 284, 302 e 303 feitos pelo Conama.

As resoluções vetadas e os prejuízos ao meio ambiente
resolução nº 264, de 2001, proíbe a incineração de agrotóxicos em fornos de cimento. A medida preserva o ar da emissão de gases poluentes. Caso ela seja realmente revogada, depois de 19 anos em prática, o ar que respiramos será altamente comprometido e as pessoas também sofrerão as consequências, já que a respiração será dificultada.

A medida 264 foi instituída para que o ar não seja poluído e, consequentemente, a qualidade dele não seja comprometida, já que a incineração desses materiais emite resíduos capazes de prejudicar as respirações humana e de outras espécies de animais e de vegetais. Dessa forma, segundo o pesquisador do IN-TREE e doutor em ecologia, Mariano Eduardo Neto, caso essa resolução seja derrubada, “as pessoas vão assistir mais uma etapa de degradação do meio ambiente em nosso país e um direito básico será comprometido”.

Já a determinação de nº 284, também de 2001, determina o licenciamento de projetos de irrigação por empreendedores em um processo de três fases: a instalação de obras e atividades como reserva, captação e drenagem de água na propriedade. Com o veto, o licenciamento poderá ser feito de maneira mais rápida por empreendedores, já que mais uma exigência para a exploração das águas dos lençóis freáticos, com a perfuração de poços, por exemplo, pode ser derrubada.

Essa resolução protege os lençóis freáticos da exploração humana e, caso passe pelo STF, trará consequências graves no que se refere ao abastecimento e à disponibilidade dos recursos hídricos. Os danos que podem ser gerados, de acordo com os especialistas, são a falta de água em propriedades sustentadas pela agricultura familiar, as quais realmente precisam da água subterrânea para irrigação e uma provável escassez de água por conta do aumento desses empreendimentos no país, que terão maiores tendências de crescimento.

determinação nº 302, do ano de 2002, aponta parâmetros que definem limites das Áreas de Preservação Permanente, que de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, “são instituídas pelo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) e consistem em espaços territoriais legalmente protegidos, ambientalmente frágeis e vulneráveis, podendo ser públicas ou privadas, urbanas ou rurais, cobertas ou não por vegetação nativa”.

As APPs são espaços que ficam no entorno de recursos hídricos e podem ser cobertas ou não por vegetação nativa e têm a função ambiental de preservar as águas, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, além de facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Caso a resolução nº 302 seja vetada, o uso desses espaços poderá estar livre para construções, já que a derrubada dela extingue a delimitação de faixa, o que prejudica diretamente os recursos hídricos e colabora com a deterioração dos ecossistemas aquáticos e marinhos.

As APPs previnem os recursos hídricos da erosão principalmente com a presença de vegetação nativa (Foto: Marcelo Delfino)
As APPs previnem os recursos hídricos da erosão principalmente com a presença de vegetação nativa (Foto: Marcelo Delfino)

Já a resolução nº 303, de 2002, também faz referência às Áreas de Preservação Permanente (APP). Ela inclui manguezais e as faixas de restingas como parte de espaços que devem ser preservados e protegidos. O veto dessa medida pode interferir na dinâmica do ecossistema marinho e ainda tornar mais flexível a construção civil próxima ao litoral, o que também prejudica os organismos existentes no mar e, consequentemente, às pessoas.

“As áreas de preservação permanente não podem ser desprotegidas e muito menos tocadas. Elas servem para proteger, principalmente, os recursos hídricos. Nesse espaço, há organismo vivos tanto da fauna quanto da flora. Desprotegendo esses espaços, não dando a eles uma delimitação mínima para sua existência, temos riscos muito grandes de extinção de espécies de plantas e animais”, pontua o doutor em Ecologia, Mariano Eduardo Neto.

As restingas são faixas com vegetação mais baixa próxima ao mar ou mais alta para o interior de planícies (Foto: Marcelo Delfino)
As restingas são faixas com vegetação mais baixa, próxima ao mar, ou mais alta, para o interior de planícies (Foto: Marcelo Delfino)

As restingas e os manguezais integram, pelo Código Florestal, as Áreas de Preservação Permanente. “São zonas de proteção que têm importância para a conservação de água, do solo e para evitar maiores danos provocados pela erosão, pois o mar tem uma força erosiva muito grande em certos pontos da costa brasileira”, explica Mariano Neto afirmando ainda que “as restingas e os manguezais, em muitos casos, conseguem aumentar a capacidade de resistir às forças de maré e isso é uma forma de diminuir a erosão no litoral”.

Manguezais são importantes para conter processos erosivos no litoral (Foto: Marcelo Delfino)
Manguezais são importantes para conter processos erosivos no litoral (Foto: Marcelo Delfino)

Com o veto das resoluções nº 302 e 303, o meio ambiente, bem como a população, sofrerão consequências sérias. Confira no áudio dos pesquisadores Virgílio Machado e Eduardo Mariano Neto.Video Player00:0001:13

O Conama e o estratégico esvaziamento do órgão

Conama é um órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente e é responsável pelo licenciamento de normas e o estabelecimento de critérios para a proteção ambiental no Brasil. Entre as suas responsabilidades, previstas nas diretrizes do órgão, criado em 1981 pela Lei 6.938/81, destaca-se a elaboração de medidas e resoluções, bem como vetá-las, quando necessário. Mas, mesmo com tamanha autonomia, as decisões, caso sejam vistas pelo judiciário brasileiro como inapropriadas, poderão ser revistas e contestadas.

No ano passado, o Conama, que é composto por integrantes da sociedade civil, empresários e representantes políticos, passou por um processo de esvaziamento. No mês de maio de 2019, o grupo que contava com 96 conselheiros, passou a ter 23 membros. Com isso, a sociedade civil que tinha 22 assentos, passou a ter apenas 4, ou seja, o que antes correspondia a 22% do total de integrantes, se tornou cerca de 17%. Por outro lado, o número de representantes do Governo Federal aumentou. Antes, eles ocupavam 29% das cadeiras do Conama, agora correspondem a cerca de 42% do total.

As porcentagens correspondem aos números indicados pelo Ministério do Meio Ambiente
As porcentagens correspondem aos números indicados pelo Ministério do Meio Ambiente

A comunidade civil se faz presente no Conama através de entidades ambientalistas de âmbito nacional. Além desse pequeno grupo e de titulares do Governo Federal, integram o órgão entidades empresariais, representantes escolhidos por governos estaduais e por dois de municipais. O quadro da nova composição, segundo os ambientalistas Mariano Eduardo Neto e Virgílio Machado, desfavorece os resultados esperados pelo povo.

“Isso viola o princípio básico de democracia e participação e deixa as deliberações nas mãos de pessoas que têm interesse em explorar as riquezas naturais, como temos visto. Infelizmente, a população se faz minoria num conselho que visa a proteção das riquezas naturais”, explica Virgílio Machado, que também é coordenador do Fórum Clima Tempo Salvador e mestrando em ecologia aplicada à gestão ambiental. O especialista ainda acrescenta que “se as resoluções forem realmente vetadas, irá causar bastante impactos ao meio ambiente e às pessoas”.

Para Machado, o veto das resoluções favorecem a maioria do integrantes do Conama, já que apenas 4 lugares são destinados a representantes da comunidade civil e os demais são ocupado por pessoas ligadas aos governos e empresários. “Essas pessoas, que são maioria, têm grandes interesses em explorar rigorosamente os recursos naturais”.

*Luan Borges integra a equipe de Comunicação do INCT IN-TREE, é estudante de Jornalismo e pesquisador Pibic do UNISBA, sob a coordenação da professora Claudiane Carvalho.

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